A psicodelia enquanto meio e fim da insignificância. • 28/09/2024
(Relato 3g psilocybe cubensis. Trip durou das 20:20 às 23:59 do dia 27/09/2024) O velho ventilador empoeirado, célebre e presente espectador da minha vida: do trabalho, do descanso, dos estudos e das crises, naquele momento, passou a ganhar um significado. Olhar pra ele era evidência mais clara que os efeitos começaram. Suas pequenas curvas ganharam cores que intercalavam entre si a cada segundo, era um objeto vivo que procurava se aproximar de mim. Não só o ventilador, mas em poucos minutos aquele pequeno metro-quadrado que chamo de quarto ganhou uma nova dimensão. As paredes estavam mais distantes, o sofá me engolia como uma enorme e aconchegante piscina de bolinhas de gel e eu, um ser dismórfico, mal dimensionado naquele quarto tão definido quanto minha própria pele vezes amarela, vezes vermelha, vezes verde, com rabiscos que costumavam significar, agora confusos e ilegíveis, só conseguia pensar em como tudo dançava junto da música que ouvia. A pequena playlist previamente montada contendo the dark side of the moon, abbey road, deep gnome e peshay studio set só importou na primeira hora. Sinto que consegui viver the dark side of the moon dentro do meu quarto, e a experiência era tão boa que me perguntava se tudo que ocorreu em minha vida não seria somente para que eu pudesse viver aquele momento. Eu tentava significar não só a experiência, mas toda a minha vida naquela hora confusa, ínfima e intensa da minha noite. Nesse momento me dei conta de que eu não sabia se estava de olhos abertos ou fechados, não sabia se estava deitado e muito menos o que estava tocando. Eu olhei pra tela do computador e vi a capa de abbey road mas, na minha percepção, achava que ainda estava tocando pink floyd. Quanto mais tentava entender a música, mais confusa ela ficava. Eu sequer sabia o idioma ou faixa que estava ouvindo, foi quando me percebi num loop sensorial. Não sei quanto tempo durou, mas sinto que ouvi o exato mesmo refrão, em diferentes idiomas, pelo menos umas 5 vezes, ao passo que tentava mudar de lugar no sofá e acabava repetindo o mesmo movimento. Em determinado momento, resolvi tomar um gole de água: devo ter tentado alcançar a garrafinha na mesa tantas vezes quanto o refrão tocou. A única coisa que mantinha consciente era minha respiração: me concentrei nela por alguns minutos (sabe se lá quantos) e me lembrei do quão ridícula era a situação, do quão idiota eu era em tentar significar tudo aquilo. Eu vi tudo que o ventilador via todos os dias: eu no trabalho, descansando, bebendo, conversando, vivendo… E notei que minha vida tinha tanto significado quanto aquele que atribuí ao próprio ventilador. O fato de eu estar ali era tão consequência da vida, das minhas escolhas, quanto todas as outras coisas que fiz no meu dia. Para o ventilador e, para mim, este era um eu como qualquer outro, era fruto de escolhas deliberadas e sem sentido necessário atribuído. Percebi o quão idiota era tentar significar aquilo, o quão sem sentido era basear minha vida na mera escolha de consumir três gramas de cogumelos. O sensorial é tão fruto do acaso como é um mecanismo de defesa e preservação do próprio cogumelo: ele sequer foi capaz de escolher esse mecanismo e eu, curioso, resolvi consumir naquela noite da mesma forma que resolvi me levantar para trabalhar, da mesma forma que escolhi estudar ou fazer terapia. O looping era fruto dessa contradição, onde a partir do momento em que tentei significar minha existência e minhas escolhas numa escolha que é tão sem sentido quanto qualquer outra, perdi o rumo do que estava fazendo, e a única coisa que me restou foi a insignificância daquela experiência. Aquele, agora, era só mais um momento de tudo que já passou. Só que a própria insignificância ou ausência de sentido podem bastar em si, como foi a viagem para mim a partir daquele momento. A insignificância dessa experiência significou a própria insignificância. Eu me vi imerso na encruzilhada da ausência de sentido e a magnitude do próprio acontecer, tentando significar um delírio, e a única resposta que consegui encontrar foi a insignificância: a insignificância de um moleque de 21 anos delirando sozinho no próprio quarto, da companhia do ventilador e de tudo que fiz até chegar naquele momento, um momento tão insignificante quanto qualquer outro, e foi justamente isso que fez ele significar tanto para mim. Nunca antes fui capaz de experienciar algo tão sensorial e, ainda assim, sem sentido. Imagino como teria sido experimentar isso com outras pessoas e pensar que o sentido daquilo possivelmente seria a própria experiência conjunta, ou ter minha brisa sendo atravessada por significados que os outros poderiam dar. O fato é que em algum momento posterior eu me veria sozinho e a brisa perderia sentido novamente. Acredito que a própria escolha de “viajar” sozinho tenha a ver com minha noção e desejo de procurar sentido na minha existência isolada, o que não existe e, se é possível atribuir algum sentido, é a própria ausência do mesmo ou a própria busca desse sentido. Não obstante esta é a razão pela qual quando encontramos algum sentido, ou melhor, conseguimos atribuir esse sentido a algo, tentamos nos agarrar tão forte nele e, quando este sentido deixa de existir, perdemos a razão da nossa própria vida. Para os que resistem e entendem a ausência de sentido ou encontram ela em sua busca, resta isso: a busca de um sentido. Em outros termos sinto que relembrei que insignificar também é significar insignificando.